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SÃO PAULO – A atmosfera estava elétrica na Igreja Renascer em Cristo na noite da "Extreme Fight". Devotos da igreja vestiam calças jeans e tênis, muitos com bonés virados para trás, e se alinhavam em torno de um ringue temporário para aplaudir lutadores de jiu-jitsu de peitos desnudos.
Eles gritaram quando o favorito dos fãs, Fábio Buca, resistiu a seu oponente por vários minutos. Eles ficaram exaltados quando o pastor Dogão Meira, 26, derrubou seu opositor, segurando ele com uma chave de braço depois de apenas 10 segundos de combate.
Com a multidão ainda vibrando, o pastor Mazola Maffei, vestido com calça de exército e camiseta, agarrou um microfone. Maffei que também é treinador de Meira, prendeu a atenção da multidão com um sermão sobre a conexão entre esporte e espiritualidade.
Evangélicos assistem ao confronto de luta livre na igreja / NYT
"Vocês precisam praticar mais o esporte da espiritualidade", ele aconselhou. "Vocês precisa lutar por suas vidas, por seus sonhos e ideais".
A Renascer em Cristo está entre o número cada vez maior de igrejas evangélicas do Brasil que buscam formas de se conectar com os jovens para aumentar sua legião de fiéis. De noites de luta a shows de reggae, de videogames a estúdios de tatuagem nos templos, as igrejas têm ajudado a fazer do movimento evangélico o movimento espiritual de maior crescimento no Brasil.
Igrejas cristãs evangélicas estão afastando os brasileiros do catolicismo romano, a religião dominante no país. Em 1950, 94% dos brasileiros diziam ser católicos, mas este número caiu continuamente e chegou a 74% em 2000. Um novo censo governamental será realizado no ano que vem.
Apesar da profunda ligação com o catolicismo no Brasil, cada vez mais brasileiros querem experimentar e escolher sua própria religião, disse Sílvia Fernandes, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que escreveu um livro sobre o movimento evangélico no Brasil.
Ela disse que mais brasileiros foram atraídos a igrejas evangélicas ou pentecostais por causa da "flexibilidade da expressão religiosa". Eles vêem igrejas como a Renascer como lugares onde podem se expressar mais livremente e "não apenas procurar por soluções para problemas pessoais, mas também encontrar um lugar para se encontrar e socializar".
Jovens participam de celebração em igreja evangélica / NYT
Meira disse que para os jovens que buscam salvação, o evangelismo pode preencher um vazio. "Aqui eles entram na igreja, muitas vezes para ver uma competição de luta, e recebem a palavra de Jesus Cristo, e começam uma transformação. Eles abandonam as drogas, passam a respeitar seus pais e começam a curar as doenças da alma, como a ansiedade, a depressão, as drogas e o álcool, a prostituição", ele disse.
Em meio ao movimento jovem, a Renascer em Cristo também sofre com controvérsias. Os líderes da igreja, Estevam e Sônia Hernandes, voltaram ao Brasil no mês passado depois de cumprir vários meses em uma prisão americana por tentar entrar nos Estados Unidos com mais de US$ 56mil, incluindo US$ 9 mil que estavam escondidos em uma Bíblia. Eles ainda enfrentam acusações de fraude, apropriação indébita, evasão fiscal e lavagem de dinheiro no Brasil.
A Renascer tenta contratar pastores mais jovens que podem se relacionar melhor com os adolescentes. Meira é pastor de meio período; ele também trabalha no setor de marketing de uma companhia de tintas e estuda publicidade à noite.
Na noite da "Extreme Fight" dezenas de adolescentes e jovens adultos perambulavam em torno da igreja. No salão da frente, barracas vendiam cachorro-quente e pizza e os jovens faziam fila em um canto para fazer tatuagens de temas religiosos, como a frase "Eu Pertenço a Jesus". Na sala principal, havia videogames, um DJ que tocava uma mistura hip-hop e funk, e uma projeção de um DVD dos Globe-trotter do Harlem.
Apesar da maioria ter vindo para o evento principal, a Extreme Fight, eles se deixaram ficar. Depois de quatro brigas e do sermão de Maffei, os fieis formaram pares. Uma pessoa colocava a mão sobre a testa da outra e falava de Jesus Cristo enquanto esta fechava os olhos com firmeza.
Após a luta, jovens rezam ao lado do ringue / NYT
O crescente movimento da mocidade evangélica tem como alvo a juventude brasileira de todas as classes. Na Igreja Bola de Neve, jovens profissionais se misturam com famílias de baixa renda e jovens problemáticos.
Pastores conduzem um rebanho de mais de 2.500 fiéis nas noites de domingo em palcos estimulados por shows de reggae e rock, com letras religiosas projetadas em um enorme telão.
O "apóstolo" da igreja, Rinaldo Pereira, disse ter tido uma experiência próxima à morte relacionada com drogas e hepatite cerca de 17 anos antes de um evento "sobrenatural" que o levou a dedicar sua vida a Deus.
Em 1999, Pereira e alguns outros ávidos surfistas locais fundaram a Bola de Neve, inspirados pela ideia de que uma bola de neve começa pequena mas pode crescer. A igreja recebeu seu primeiro impulso de um empresário de roupas de surf, que emprestou um auditório para a igreja. Precisando de um altar para o primeiro serviço, Pereira agarrou uma prancha de surfe que viu em um canto e a colocou sobre algumas cadeiras.
Rinaldo prega em altar feito com prancha de surf / NYT
Hoje a igreja diz que tem 100 filiais, principalmente no Brasil. Uma delas, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, inaugurada com sete pessoas há três anos, agora tem aproximadamente 3.000 fiéis.
O esporte e a música "superam todos os tipos de barreiras", disse Pereira.
"As pessoas podem não entrar em uma igreja, mas definitivamente assistirão a uma luta, um campeonato de surf, um evento musical", ele disse. "Tanto o esporte quanto a música transmitem uma mensagem ao público"
Em São Paulo, a igreja é um caso verdadeiramente familiar. Em um domingo, Pereira, 37, conduziu um sermão que durou três horas, ainda usando uma prancha de surf de cabeça para baixo como seu púlpito. Sua mulher, Denise, que também é pastora, esquentou a plateia cantando com o apoio de uma banda de rock.
Jovens são atraídos cada vez mais para as igrejas evangélicas / NYT
No porão da igreja, seu filho de 16 anos, Nathan, conduzia uma multidão adolescente e mais jovem. O pastor em treinamento, com seu cabelo espetado, falou sobre Jesus Cristo com habilidades de um apresentador de programa de auditório. A certa altura, ele passou um recipiente plástico e pediu que os jovens fizessem doações, garantindo que Deus lhes devolverá "em dobro".
No andar superior, no sermão de seu pai, um jovem casal subiu ao palco para professar seu amor. Pereira parabenizou pelo menos dois outros jovens casais por seus bebês, erguendo-os para que todos pudessem ver.
Quando seu sermão chegou ao clímax, os fiéis fecharam os olhos firmemente e ergueram as mãos, como se em um transe, cantando e balançando ao som da música com lágrimas escorrendo por seus rostos.
Depois do serviço, Dom Luiz Bayeux, 22, contou como chegou ali. Ele cresceu em um lar problemático no qual seu padrasto, viciado em crack, morreu de aids. Aos 13, um rebelde Dom começou uma vida de crimes. Cinco anos depois, sua tentativa de curar o vício o levou a muitos lugares e muitas religiões.
Depois de não conseguir entrar para as forças militares, ele se lembrou de ter ouvido falar na Bola de Neve. No dia em que chegou à igreja o pastor disse aos fiéis: "Você está aqui para se alistar no exército de Jesus Cristo".
Para ele, aquilo foi uma intervenção divina. "O fato das pessoas aqui falarem a mesma língua e viverem o mesmo estilo de vida que eu foi o que me atraiu para este lugar, e é o que me me mantém aqui", ele disse.
Fonte: IG