Na mensagem, divulgada neste sábado, 20, pelo Vaticano, o pontífice também condenou os bispos da Irlanda pela “lamentável” forma como trataram as denúncias e manifestou seu “alento, apoio e solidariedade” às centenas de menores abusados durante anos por padres no país.
“Queridos irmãos, escrevo com grande preocupação, como pastor da Igreja universal. Assim como vocês, estou profundamente consternado com as notícias de abusos contra crianças e jovens indefesos cometidos por membros da Igreja, especialmente sacerdotes e religiosos…”, disse Bento XVI no começo da carta, que é “direta, de estilo simples e com frases fortíssimas”, segundo o porta-voz vaticano, Federico Lombardi.
No texto, com o qual o papa “não busca obter desculpa alguma”, de acordo com Lombardi, o pontífice afirmou que “compartilha” o “desgosto e o sentimento de traição” que muitos irlandeses experimentaram ao tomar conhecimento “desses atos pecaminosos e criminosos e da forma como estes foram enfrentados pelas autoridades da Igreja na Irlanda”.
Bento XVI acrescentou que, “levando em conta a gravidade destes delitos e a resposta frequentemente inadequada” dada pelos prelados irlandeses, recebidos três vezes no Vaticano, “decidiu” escrever a carta “para expressar solidariedade e propor um caminho de cura, renovação e reparação”.
O Santo Padre também atribuiu os abusos ao fato de que, após o Concílio Vaticano II, ter surgido uma tendência “motivada por boas intenções, mas equivocada, de evitar os enfoques penais para situações canonicamente irregulares”.
A forma “inadequada” como é feita a seleção de candidatos ao sacerdócio e a insuficiente formação humana, moral, intelectual e espiritual nos seminários também foram citadas pelo papa.
Na carta, escrita “com palavras que saem do coração”, Bento XVI se dirigiu às vítimas dos abusos, às suas famílias, aos padres pedófilos, aos bispos irlandeses, aos jovens, aos pais e a todos os fiéis da Irlanda. “Vocês sofreram dolorosamente e peço perdão. Sei que nada pode apagar o mal que suportaram. A confiança de vocês foi traída e vossa dignidade, violada”, escreveu às vítimas.
Segundo o pontífice, quando os casos foram denunciados, inicialmente “ninguém quis escutar”, por isso, “diante do ocorrido, é compreensível que (para as vítimas) seja difícil perdoar ou se reconciliar com a Igreja”.
“Em seu nome, expresso abertamente a vergonha e o remorso que todos nós sentimos. Sei que, para alguns de vocês, chega a ser difícil entrar em uma igreja após o que aconteceu. Peço-lhes que não percam a esperança”, acrescentou o Santo Padre.
Palavras duras
As frases mais duras da carta foram direcionadas aos padres pedófilos. “Vocês traíram a confiança depositada por jovens inocentes e seus pais. Por causa disso, terão de responder perante Deus e perante os tribunais devidamente constituídos. Vocês perderam a estima do povo irlandês e lançaram vergonha e desonra sobre vossos semelhantes”, afirmou.
O Bispo de Roma acrescentou que, “além do imenso dano às vítimas, houve um enorme dano à Igreja e à percepção pública do sacerdócio e da vida religiosa”.
Depois, pediu aos padres que façam um exame de consciência, “admitam abertamente sua culpa” e se submetam às exigências da Justiça.
Os bispos irlandeses também foram duramente criticados pelo papa: “Não se pode negar que alguns de vocês e de vossos antecessores falharam, às vezes infelizmente, na hora de aplicar as normas do direito canônico para os crimes de abuso contra crianças”.
O pontífice ressaltou que foram cometidos “graves erros nas respostas às acusações”. Porém, disse que era difícil compreender a magnitude e a complexidade do problema.
Tudo isso, acrescentou, “enfraqueceu gravemente” a credibilidade e a eficácia dos prelados. Portanto, “para remediar os erros e para garantir que estes não voltem a ocorrer”, aconselhou, é necessário que os bispos apliquem “plenamente o direito canônico nos casos de abusos contra crianças”.
“Continuem cooperando com as autoridades civis”, recomendou Bento XVI, que defendeu a “constante atualização” das normas para que a segurança dos menores esteja sempre garantida.
Além disso, o Bispo de Roma anunciou que ordenará uma inspeção nas dioceses, seminários e congregações religiosas onde foram registrados casos de pedofilia, com o objetivo de renová-las.
Respostas controversas
A Igreja Católica irlandesa agradeceu “profundamente” ao Papa Bento XVI pela sua carta sobre os abusos sexuais cometidos por sacerdotes contra menores neste país, enquanto as vítimas se declararam decepcionadas com seu conteúdo.
Segundo Maeve Lewis, diretora-executiva da “One in Four”, a carta não pede a demissão da maior autoridade da Igreja irlandesa, o cardeal Sean Brady, tal como pedem todas as vítimas.
O religioso se viu obrigado nesta semana a pedir perdão por haver ocultado o caso de abusos de menores cometidos por um padre pedófilo nos anos 70.
Brady agradeceu “profundamente” o Papa pela “sua enorme preocupação e amabilidade”. “Fica evidente na carta que o papa Bento XVI está profundamente preocupado pelo que descreve como ‘atos criminosos e pecaminosos’ e pela maneira com que as autoridades da Igreja os abordaram”.
Já para os grupos de afetados, a mensagem “não discute as preocupações das vítimas” e o Papa evita assumir a responsabilidade do Vaticano pelos abusos sexuais de menores, ao dirigir suas críticas principalmente aos padres.
Andrew Baden, a primeira pessoa que levou a Igreja da Irlanda aos tribunais em 1995, afirmou que o comunicado “não aborda o assunto com total seriedade”.
“O contexto é inapropriado, já que, por definição, uma carta pastoral está dirigida somente aos católicos praticantes e, portanto, omite muitas pessoas que foram afetadas pela questão”.
“Como havíamos previsto, a carta não aborda nenhum dos assuntos que apresentamos em nossa carta aberta ao Papa no último mês”, acrescentou.
No texto, as vítimas pediam, além do pedido de desculpas, uma admissão de culpa do Vaticano por seus próprios fracassos e a demissão de vários religiosos irlandeses, inclusive a de Brady.
Em 2008, a pequena diocese de Ferns, no sudeste da Irlanda, chamou a atenção nacional e internacional quando um informe revelou mais de cem casos de abusos sexuais cometidos entre 1962 e 2002 por padres, alguns dos quais trabalham ou trabalharam em algum momento na diocese de Dublin.
A investigação também denunciou a omissão de vários bispos sobre os casos de abuso, o que se repetiu em várias ocasiões.
Fonte: EFE/ Estadão