O diretor do Centro de Pesquisa da Universidade da África do Sul e presidente do Conselho de Igrejas da África (Unisa), professor Tinyiko Maluleke, circulou, pela Conferência de Edimburgo, vestindo uma camiseta da seleção do seu país e levando debaixo do braço uma corneta (vuvuzela), que torcedores usam nos estádios de futebol.
Frequentemente encarado de forma negativa, a África recebe uma injeção de moral com a Copa do Mundo de Futebol, disse.
“Vesti a camiseta e trouxe a ‘vuvuzela’ porque a África continua sendo vista e ouvida de uma forma que não nos agrada. Assim, vejo a ‘vuvuzela’ como uma tentativa desesperada do continente ser ouvido”, explicou, agregando: “Ali tem um continente que não cessa de clamar por reconhecimento, por dignidade”.
Ele fez uma conexão entre esse o desejo e a Conferência, que se celebra agora num momento em que o Sul Global – África, Ásia, América Latina – passa a ser o lugar onde a Igreja está registrando o crescimento mais rápido, com uma missão cristã vibrante.
Missionários brasileiros saíram do país nesses últimos dias rumo à África do Sulpara levar o Evangelho de Cristo. Eles se juntam aos cristãos africanos e missionários de outros países.
Confira a entrevista de Tinyko Maluleke:
Por que crê você que a Igreja está crescendo mais rápido no Sul Global do que em Ocidente?
É difícil de responder. Penso que é porque nessa parte do mundo a gente não tem a longa história de presença cristã com todos os problemas que chegaram com ela. Sejamos realistas, a história do cristianismo é uma história de altos e baixos. Ela inclui as Cruzadas e as guerras contra o Islã na Idade Média. Inclui as duas Guerras Mundiais que vimos nos últimos 100 anos, guerras que foram desatadas e mantidas desde nações cristãs. Isto inclui toda a história do “apartheid” na África do Sul. O “apartheid” era uma doutrina ‘cristã’, e é parte da história.
Creio que no Sul a gente não tem uma história do cristianismo tão acidentada como no Norte, e é por isso que ainda há espaço para uma afirmação positiva e apropriada do cristianismo. Creio que as pessoas se sentem mais livres para ser cristãs, sem a vergonha que agora se dá na Europa e outros lugares. Assim mesmo, a noção de progresso e desenvolvimento que tende a relegar a religião ao âmbito privado é algo que não creio que tenha possibilidades de penetrar com sucesso no pensamento da gente no Sul.
Você escreveu em seu blog, “recentemente” que lhe agradaria “pospor a Copa do Mundo”. Pode explicar-nos que quer dizer com isto?
A Copa do Mundo, como os Jogos Olímpicos e outros grandes eventos, sempre provoca nos países onde se celebram esta pergunta: “E depois, o quê?” Preocupa-me o que vá suceder depois, porque não temos nada tão grande que esperar como este projeto. Eu não me queixo da Copa do Mundo, creio que é uma excelente oportunidade. Mas uma oportunidade que me agradaria que se pudesse ser estendida e prolongada o maior tempo possível.
Como vê o papel da igreja na Copa do Mundo? E que papel a igreja pode desempenhar no desenvolvimento do futuro da África do Sul?
Creio que há muita margem para as igrejas trabalharem com a Copa do Mundo. Em primeiro lugar, a Copa do Mundo significa hospitalidade, ao menos de um ponto de vista africano. Assim que a hospitalidade vai ser um tema muito importante, e é ai que as igrejas podem ajudar ao mundo secular, mais orientado a uma mentalidade empresarial.
A Copa do Mundo atrai os ricos de todo o mundo, mas também traz pobres. Marginalizados, pessoas vulneráveis, prostitutas, vendedores ambulantes de todo o mundo chegam dispostos a vender o que possam ganhar um dinheiro. Creio que a igreja deve cuidar daqueles que não podem cuidar de si mesmos durante este tempo.
Inteirei-me de que várias igrejas, entre elas o Conselho de Igrejas, desenvolveram projetos para ajudar crianças vítimas de gangues, prostitutas, para trabalhar com elas durante este tempo, tratando de ser úteis a elas, de maneira que não seja só uma Copa do Mundo por e para os ricos.
Você acredita que o futebol é a religião moderna?
O futebol é uma forma de religião. Creio que é uma forma pobre de religião frente ao cristianismo, que para mim é uma religião real. Sem dúvida, o futebol move massas de uma maneira particular e toma emprestado, mais e mais, formas da religião em termos do canto e inclusive o abandono com do que a gente se acerca ao futebol.
No futebol há emoções muito poderosas, como o nacionalismo ou o culto ao herói, que são elementos da religião. Trata-se de uma quase-religião em muitos sentidos. Creio que é importante para nós, como igrejas, lembrar uns aos outros que se trata de um jogo. Mas para o garoto pobre em algum lugar da África do Sul é realmente um jogo que o inspira a se esforçar para dar o melhor de si.
É importante que coloquemos as coisas em seu devido lugar, que dessacralizemos o futebol. Não o façamos tão sagrado como os meios de comunicação o tornam, porque, depois de tudo, é uma coisa muito humana.
Fonte: ALC