O pastor batista e capelão Roberto Pontuschka era um assíduo frequentador dos porões da ditadura militar (1964-1985). À noite ele torturava os presos políticos, no pau de arara, e de dia os consolava falando de Deus e lhes dava exemplares do Novo Testamento. Entre os presos, havia evangélicos, como o presbiteriano Rubem Cesar Fernandes, 68.
Fernandes foi preso em 1962 pelos policiais da Oban (Operação Bandeirantes) por ser militante estudantil. Ele disse ter sido dedurado por pastores por ser considerado “elemento perigoso”.
Até hoje o antropólogo não se conforma: “Não é justificável usar o poder militar para prender irmãos”.
Outras histórias como a de Fernandes estão vindo à tona a partir do exame das cópias de documentação de tribunais militares que o CMI (Conselho Mundial de Igrejas), organização internacional ecumênica, acaba de repatriar ao Brasil. Mais de um milhão de páginas estavam protegidas em Chicago, noCenter For Research Libraries. Sem que os militares suspeitassem, as cópias foram feitas quando os advogados dos presos retiravam dos tribunais os processos para examiná-los por 24 horas.
Os militantes de oposição à ditadura sempre acusaram as igrejas evangélicas de terem dado apoio à repressão, diferentemente da Igreja Católica de dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, que se colocou na linha de frente da resistência ao regime.
A documentação do CMI confirma a conivência institucional dos evangélicos.
Anivaldo Padilha (foto), hoje com 71 anos, foi denunciado pelo pastor José Sucasas Jr. e pelo bispo Isaías Fernandes Sucasas, ambos metodistas e já falecidos.
Padilha foi torturado por 20 dias no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo entre fevereiro e março de 1970. Estava com 29 anos. Era metodista e estudava ciências sociais na USP (Universidade de São Paulo). O trauma quase o levou ao suicídio. Viveu 13 anos no exílio.
Preso em 1969, Leonildo Silveira Campos foi torturado por dez dias. Estava com 21 anos e era seminarista da Igreja Presbiteriana Independente. Hoje é teólogo e professor de ciências da religião na Umesp. Ele também não se esqueceu das “pregações” de Pontuschka, o pastor torturador.
Zwinglio Mota Dias, 70, hoje pastor emérito da IPU (Igreja Presbiteriana Unida do Brasil), foi expulso em 1962 do Seminário Presbiteriano de Campinas porque defendia que a salvação das almas passava pelas questões sociais. Outros 38 seminaristas foram expulsos.
Na Faculdade de Teologia de São Paulo, da Igreja Metodista, o pastor Boanerges Ribeiro, presidente na época da denominação, “convidou” alunos e professores a se retirarem.
Anivaldo Padilha afirmou que vários evangélicos colaboraram com a repressão, delataram irmãos e assumiram o discurso dos militares. “Eu acreditava ser impossível que alguém que se dedica a ser padre ou pastor, cuja função é proteger suas ovelhas, pudesse dedurar alguém.”
Ele contou que anos depois se encontrou com um de seus torturadores em um Carnaval e o perdoou. “O perdão, para mim, foi uma forma de exorcizar os demônios das torturas que me causaram pesadelos durante quase seis anos”.
Mas nem por isso os torturadores devem ficar impunes, disse.
“A punição deles é importante para resgatar a dignidade dos que foram torturados, da memória dos assassinados, das famílias que não puderam ainda sepultar seus membros desaparecido.”´
Fonte: Isto é